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Neste projeto, assumo a persona de um retratista, um personagem homônimo, com assento no nome, deslocado para a era digital. A proposta parte de investigações sobre o ofício do artista e sobre métodos tradicionais da pintura, em especial o gênero retrato, envolvendo padronagem, foto-pintura, redes de compartilhamento e elementos cromáticos. Para a execução, foi criado um perfil virtual na plataforma Facebook, ativo por três anos, que passou a ser procurado especificamente para esse tipo de fazer profissional-artístico. O processo de encenação consistiu na apropriação de retratos (selfies) de membros da rede social, posteriormente salvos, reconfigurados em escala pictórica e repostados. Essas imagens, ao retornarem à rede, eram automaticamente codificadas por marcações, postagens instantâneas ou convites para inserção no próprio álbum de perfil. O resultado final reúne quase duzentos retratos, organizados em sequência, além de um fascículo nº 0 — livro que documenta todo o processo em escala fantasiosa, com o intuito de se inserir na coletânea Gênios da Pintura, publicada em 1967 pela Editora Abril Cultural.

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Esta pesquisa foi desenvolvida durante o curso de graduação em Artes Visuais na Universidade Estadual de Maringá, com bolsa concedida pela Fundação Araucária e premiada com o Prêmio Aniceto Matti em 2015. A banca examinadora foi composta por Annelise Nani da Fonseca e Roberta Stubs, sob a orientação de Sheilla Souza. Além disso, o trabalho foi exibido na exposição individual "Ausência" em 2015, no Museu de História e Artes Hélenton Borba Côrtes, em Maringá (PR).

Em suas imagens, predominam os rostos, ou melhor, os retratos. Um diálogo com a história da arte é possível. Poderíamos dizer que em Retratos de Tinta (I, II e III), Sérgio atualiza o que ficou conhecido como “pinturas de gênero”, isto é, as pinturas realizadas a partir do século XVII nos países baixos, que começaram a apresentar de modo detalhado as cenas da vida cotidiana: pessoas comuns, seus objetos comuns e sua vida comum. Os artistas buscavam nas situações corriqueiras aquele ato ou momento que merecesse ser retratado e preservado em tela, Sérgio parece buscar o mesmo em suas composições e procura estes atos dignos de representação onde está a vida do homem contemporâneo: nas redes sociais. Escolhe nas prateleiras do Facebook aquilo que lhe chama a atenção e, como faziam os expressionistas, tenta expressar de forma intuitiva e com uma técnica em constituição, sua visão pessoal. Dialogando com a herança pop da arte, utiliza pinks vibrantes, verdes cítricos e azuis cintilantes para espetacularizar os personagens “comuns”. E quando o próprio Sérgio retrata-se o que ocorre? Talvez verdadeiramente revele-se, construindo ficções (serão mesmo ficções?) sobre si.
Vinícius Stein, 2015.

Devorador de imagens: o artista no retrato
#retratosdetinta
Ativos da cultura visual de excessos, as imagens carregadas nas plataformas de relacionamento transbordam pelos ambientes de compartilhamento. Nesta interface catalisadora da superexposição da representação de si; veladamente ou não, performa-se. Sérgio Augusto toma as imagens deste espaço banalizado. No torvelinho desta nova ágora estabelece seu campo de observação qual um flâneur contemporâneo. Se apropria dos retratos e reconduz o tempo de sua aparição interrompendo o processo de dissolução dos posts no lifestreaming das superfícies digitais. Agrega tempo contemplativo às iconografias inseridas em um sistema de instantâneos. Forja memória como um biólogo a fazer taxidermia, deslocando os retratos de seu contexto original para outro suporte - um novo circuito, mantendo-os expostos. Valendo-se da visibilidade midiática dos comuns, opera com apropriação e deslocamento culminando em questões sobre obra, autoria e originalidade da arte. Noções presentes no pop com os deslocamento das imagens de massa quando introduzidas ao circuito de arte, em especial Warhol com as figuras míticas; e numa miríade de relações na arte contemporânea, entre outros, propostas por Levine, Rennó ou Costi.
Isto não é um retrato #inviterelacional
Outra questão do trabalho de Sérgio Augusto são os interstícios que incidem na linguagem de um meio a outro, da fotografia para a pintura e na introdução de um jogo de espelhos de quem faz a representação, pois o artista intervém no controle do sujeito sobre sua própria imagem e cria espaço de diálogo. Em Retratos de Tinta a interferência na autoria ocorre agudamente nos autorretratos ao corroer a circularidade da relação fotógrafo-fotografado. O artista se inclui ao representá-lo e reconstrói a imagem na relação figura-fundo promovendo “espaços ausentes”, uma abertura no enquadramento. Interessante pensar que o autorretrato como recurso fotográfico aparece muito além da explosão meteórica que vivenciamos. Remonta a meados do século XIX, quando Cornelius ousou virar as lentes de seu daguerreótipo para si. Antes dele, no lago, Narciso fixou a seu modo sua imagem nas águas. No mito ou marco histórico está a autorrepresentação repleta de pulsões e desejos.  Nesta plasticidade da libido dos corpos fragmentados é que Sérgio opera e apesar de carregar a palavra retrato - demarcando a pintura e fotografia, Retratos de Tinta traz outras camadas à sua proposição artística como a aproximação e o diálogo. Fora do ambiente virtual da flânerie e da conexão íntima que reside em suas pinceladas para a construção da imagem, o artista adquire conquistas e fracassos na ativação destes relacionamentos. Agência espaços de interação devolvendo as imagens ressignificadas ao seu contexto original e deslocando-as para serem expostas no circuito de arte. Essas relações, um devir.
Rafaela Tasca, 2015.

O outroeu, aquele euoutro desconhecido
No que se refere à a estes esses trabalhos, dizer simplesmente que Sérgio tem obsessão pela própria imagem é arriscar mergulhá-lo no anonimato paradoxal dos selfies onipresentes nas mais diversas redes sociais. Seria mais adequado dizer que ele tem apetite – ou gula? – pela própria imagem. Utilizando tintas como ingredientes, pinceis como talheres e papeis como pratos, Sérgio se come-se, se devora-se, se regurgita-se e se cagacaga-se, criando auto autorretratos que expõem casca e polpa, rosto e alma. Mas, assim como o prazer masturbatório, os auto autorretratos pareceram não ser o bastante. E Sérgio voltou suas cores para os outros. Desse modo, chegamos aos retratos de tinta apresentados neste livro. A partir das fotografias de perfis de amigos, conhecidos e semi-conhecidos presentes na rede social Facebook, o artista pintou retratos cuja apreensão parece-me escapar. Explico melhor.
Pessoas com quem tenho ou tive contato próximo e frequente, como colegas de trabalho e alunos, parecem notavelmente diferentes das imagens mentais que fiz de seus rostos. Todavia, ainda assim, continuam plenamente reconhecíveis. Obviamente não é o caso de perguntar se tais retratos estariam mais ou menos “corretos” do que minha percepção das pessoas que os inspiraram, mas sim pensar nas relações interpessoais que estes retratos permitem expor. Já os retratos de pessoas com quem tive contato breve, por exemplo, me pareceram bem mais fiéis. Nesse sentido, para além da inevitável e particular introjeção do outro que ocorre com a convivência, parece ser mais oportuno indagar onde nossas relações com uma segunda pessoa divergem e onde convergem em relação à uma terceira pessoa. Lacan dizia não existir relação sexual, pois todo sexo se realizaria para a satisfação de um terceiro, um Grande Outro virtual que habitaria as mentes dos “amantes” e orientaria desde a posição das mãos à intensidade dos beijos. Há sexo, não relação. De todo modo, há sempre um outro.A busca por esse outro parece ter guiado as pinturas de Sérgio para os retratos aqui presentes. Porém, mesmo retratando os outros, Sérgio não deixa de retratar a si mesmo. Afinal, no mar de perfis do Facebook, as escolhas de quem retratar certamente dizem algo sobre o artista. Superficialmente, poderíamos ver tais pinturas como um reflexo de carência – e depois de 1986, quem não é carente? – e a apreensão da imagem dos rostos de certas pessoas por meio da tinta, uma forma de transubstanciar a companhia destas pessoas.Mas essa equação deixa de lado um elemento determinante: o público. Os retratos de tinta de Sérgio sempre estiveram expostos virtualmente em seu site e agora na exposição homônima que este livro apresenta. A apreciação dos trabalhos aqui apresentados, além de mostrar cores que não via nas pessoas que conhecia; de me instigar a curiosidade em conhecer outras das pessoas – procurei em vão por alguns nomes no Facebook –; também fizeram com que eu me enxergar enxergasse em rostos alheios. Se pessoalmente, ao vivo, tal projeção no outro pode gerar certa ansiedade e insegurança, com os retratos de tinta a sensação é reconfortante. Nessa altura, parece-me que ao falar de Sérgio e seus retratos acabei por falar um pouco de mim mesmo. Se num primeiro momento me auto acuso de egocentrismo, num segundo percebo essa atitude como um reflexo da dinâmica dos retratos de tinta. Afinal, dentre as funções que se possa encontrar para a Arte nos dias que se seguem, a ação de se refletir no outro – assim como ser um reflexo para o outro – parece ser a mais bonita delas.

Halisson Jr, 2015.
 

Ausente (homônimo)

Monografia desenvolvida a partir de experimentações com fotografia, pintura, digitalização e postagens virtuais. Criação e manutenção de um perfil em plataforma online, coleta e reconfiguração pictórica de selfies, inserção das obras no ambiente digital e organização em fascículo experimental e revista-catálogo impressa em papel couché 80 g, com tiragem de 1.000 exemplares, apresentada na exposição individual premiada pelo Prêmio Aniceto Matti/2014. Expografia de Janaína F. Borges. Fotografias de Renato Domingos e Cezar Martielo.

2012-2015

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